Introdução

 

Me chamo Sônia Essabbá, nasci em 27 de setembro de 1950, no Estado do Rio de Janeiro situado no Brasil. Sou casada desde 1980, com Zilmar Bento da Silva. Meu nome de casada é Sônia Essabbá Silva.

Mudamos para New York, Estados Unidos da América em 1980. Nós residimos no momento em Miami, nos mudamos em 2000.

Tenho três filhos do meu primeiro casamento com o Dr. Jorge Gomez Herbas, boliviano que se formou no Rio de Janeiro, em Cirurgia Plástica no primeiro curso administrado para residentes pelo Dr. Ivo Pitangui, no Hospital Pedro Ernesto em 1968. O Jorge foi um médico dedicado, um marido adorável, pai amoroso. Meu nome de casada na época era Sônia Essabbá Herbas. O Dr. Jorge Herbas faleceu em 1999.

 

Meu Curriculum

 

Sou empresária. Iniciei meus estudos no Externato Angelurum localizado no bairro da Glória no Rio de Janeiro. Terminei meus cursos superiores na Pensilvânia, nos Estados Unidos da América do Norte.

Diplomas em Small Business Management, Journalism, Short Story and Writing, Novel Writing Workshop, Screenwriting Workshop and Master and Art. Continuo cursando meu Bachelor of Science in Psychology na Grand Cannyon University situada em Phoenix, Arizona. Sou membro da (NAWW) Nacional Association of Women Writers e membro da União Brasileira de Escritores de São Paulo.

 

O Motivo da minha Ida a Manacapuru em 1977.

 

Fui para Manacapuru encontrar meus pais, eu deveria ficar no máximo duas semanas. Meus pais tinham alugado a uma casa em Manaus e tinham uma casinha de madeira em Manacapuru onde se abrigavam no tempo que estiveram lá. A casa era muito simples numa rua sem asfalto, sem luz nem telefone, sem encanamento, localizada num dos terrenos deles. Uma casa de interior cujo o único luxo era os ventiladores e as redes penduradas no meio do quarto. Eu nunca havia vistos meus pais morando com tão pouco conforto. O banheiro era um buraco na terra e o chuveiro um cano, havia um camburão onde enchiam de água constantemente. Posso dizer ainda muito mais, porém me atenho apenas no que mais me chocou na minha chegada a Manacapuru. Mamãe se chamava Marina, ela nasceu e toda a sua família nasceram nesse interior do Amazonas onde foi criada até os 17 anos de idade ali, e quando se casou com meu pai, todos se mudaram para o Rio de Janeiro.

Na minha chegada a Manacapuru observei que mamãe estava curtindo muito plantar, andar nas terras, balançar na rede, ir até o mercado e comer os frutos, frutas e peixes da terra. A fisionomia dela era de felicidade.

Mamãe demonstrava estar retrocedendo ao tempo da infância e juventude. Meus avós haviam falecidos, mas a minha mãe tinha familiares vivos em Manacapuru, eram primos, tios avós que mamãe visitava constantemente, ainda tinham por lá amigas de infância. Ou seja, percebi uma certa satisfação nela de ir à Igreja e olhar o Rio Manacapuru, ver as estrelas antes de dormir. Marina estava feliz, acabava contando algumas histórias vividas ali com os irmãos e a família para as filhas.

Meu pai escutava calado. Meu pai quando via minha mãe feliz os olhos dele brilhavam por momentos, na maioria do tempo ele mantinha um olhar melancólico que me incomodava muito. Ele queria sair dali, eu sabia que o desejo dele era voltar a vida normal no Rio de Janeiro e em New York onde residiam os filhos. Eu precisava agir rápido para poder tira-los dali.

Existia em Manacapuru um bloqueio de corruptos que impediam que as situações mais corriqueiras fossem resolvidas. Haviam grupos de pessoas, funcionários públicos que quando uma pessoa de fora chegava, tinha que esperar horas para ser atendida, fosse no Cartório, Prefeitura, Delegacia e nesse setor, era pior ainda. Isso porque o Delegado era cria do local e só atendia os filhos da terra. Percebi o sistema e comentei com meu pai que era Policial Federal aposentado. Ele havia trabalhado em delegacias, tanto no Rio de Janeiro como também havia sido Chefe de Polícia em Rondônia. Infelizmente o sistema é assim filha e muito pior nos interiores do Brasil, me disse irritado uma noite. Tínhamos que enfrentar os invasores das terras, escrituras feitas ilegalmente, pessoas que assinavam promissórias e que nunca pagavam e tudo sozinhos. Haviam ruas construídas em nossas terras sem que a prefeitura pagasse indenização. A única maneira era me unir ao Prefeito e pedir ajuda, foi o que fiz. Ele mandou asfaltar a rua onde meus pais moravam, colocou luz, canos de água e a linha telefônica. Para fazer uma chamada para Manaus tínhamos que usar a Telamazom, onde as telefonistas escutavam a nossa conversa e no dia seguinte o povo do interior sabia quanto tínhamos no banco e etc. Eu precisava ser precisa, rápida e consciente das minhas atitudes. Minha irmã era uma menina que não estava acostumada a tratar de negócios, teria também que voltar ao Rio de Janeiro, estava noiva e prestes a se casar para seguir para New York com meus pais. Eu tinha um prazo de estadia que infelizmente não pode ser cumprido e por esta razão, e pelo o peso que me causou na alma esse estupro tive que me separar e em 1999. Antes dele falecer me divorciei.

Voltando ao meu pai, ele já não estava mais aguentando as pressões porque dava dois passos pra frente e ficava parado sem poder mover os negócios. Nunca me senti tão impotente, resolvi abrir uma Discoteca “As Panteras”, tirei uma licença médica no trabalho era comissária de bordo quando viajei para o Amazonas. Na verdade, foi tudo uma grande surpresa, eu fui acompanhar minha irmã até o aeroporto e ela não quis ir só. Fátima me disse; não posso ajudá-los, não entendo de negócios, vem comigo. Entendi que era verdade, eles precisavam de ajuda. Comprei a passagem no balcão e viajei com a roupa do corpo, a bolsa, documentos e um relógio no pulso.

 

Discoteca em Manacapuru

 

Bem, abri uma discoteca em Manacapuru porque mamãe teve uma na Bolívia em Cochabamba. Pensei, ela vai deixar de ficar mexendo com terra no sol, vai se ocupar, vão fazer um dinheiro extra e ele vai se divertir no sentido de se distrair.

Não funcionou assim, tive que ficar mais três meses e não dormia nada, eu abria e fechava sozinha e aguentava bêbados até as duas da madrugada. Eu vivia estourada e ainda tinha que ir ao Fórum e acompanhá-los em alguns momentos do dia.

Uma manhã fui acompanhar meu pai até a casa de um caboclo para cobrar a terra que ele havia invadido. Fiquei aturdida, no momento veio uma coragem sei lá de onde, o sujeito botou uma arma no peito do meu pai, eu empurrei meu pai e disse vai ter que matar a família toda, ele se assustou ficou parado me olhando baixou a arma e eu falei: vamos conversar, não vou tirar o senhor da sua terra, mas preciso saber se tem interesse em comprar. Eu era uma mulher magra, sincera, decidia e corajosa. Ele acertou pagar, mais depois nunca pagou e vendeu para outro homem que também nunca pagou.

Meu pai estava desgastado e eu também, as vezes ele bebia e dormia, estava muito deprimido. Foi quando minha mãe começou a entender que aquilo não era vida para eles. Traçou o plano da volta com a minha irmã para o Rio de Janeiro. Tinham que vender a casa e logo voltariam, entregariam a casa de Manaus, Fátima se casaria no Rio de Janeiro e de Manaus viajariam todos juntos para New York. Eu ficaria para resolver o resto, o mau já estava feito eu já estava separada e minha família havia se quebrado. Agora quem sofria muito era eu de solidão, de saudade da minha família, dos meus filhos e irmãos, enfim da vida que ficou pra trás. Infelizmente os planos da mamãe foram interrompidos, papai faleceu quando os meus planos estavam no ar e a depressão atacou as três mulheres que estavam ali.

Algumas semanas depois do falecimento do meu pai em meio a uma depressão absurda em meio a corda bamba que eu estava pendurada sem saber a quem salvar primeiro, minha mãe ou minha irmã, tive que escolher salvar a toda família.

 Eu não tive outra escolha, ninguém merecia depois de perder o nosso ídolo, passar por outro trauma, esse, uma covardia jamais esperada no seio dos nossos familiares. Foi duro foi, ser invadida por um silêncio aterrorizante, ver o mundo seguindo a minha volta e eu sozinha tentando entender a razão do ódio que levou essas quatros pessoas me agredirem, invadirem meu útero de forma tão violenta, o útero que eu acalentei meus filhos, o meu sonho de vida.

O útero da mulher é o coração da mulher. Um homem não pode e não tem o direito de invadir esse órgão sagrado entendido por muitas mulheres e não observado por outras. O choque do estupro bloqueou as minhas idéias e tive que me agarrar nas mãos de Deus e na fé como naquela madrugada fiz,.Fui ensinada a ter fé em Deus desde menina. Meu pai era judeu e minha mãe católica, religião na minha família sempre foi o pão diário. Estudei em escola católica no Rio de Janeiro e ainda hoje faço Bachelor of Science in Psychology aqui em Miami, numa universidade particular Cristiana.

 

O Inventario do Meu Pai

 

Quando abri o inventário do meu pai após seu falecimento que aconteceu em 1978, em Manacapuru, todos os documentos estavam juntos tanto no Cartório, como na Prefeitura, como no Ministério da Fazenda. Por isso pudemos abrir o inventario na época.

Quando em 2019, me comuniquei com a Prefeitura de Manacapuru no departamento de terras e com a Fazenda, fui informada que tinham sumido do Cartório o Inventario e os títulos das terras. Também na Prefeitura sumiu o nosso recorder de pagamentos de IPTU. Na Fazenda não tinham como comprovar a validade dos nossos Títulos dos três lotes de terras. Eu tinha cópia de todos documentos que me foram entregues pela minha mãe após o falecimento do meu pai. Mas, nem com a presença dos títulos originais tive o direito de pagar o IPTU. Fui informada pelo Departamento de Terras, que eles não tinham como comprovar que as terras eram nossas.

Tudo era um emaranhado de informações ilegais para anular o nosso direito de herdeiros, o meu direito de representar meus pais como inventariante me foi tirado e essa guerra não só ataca a nossa dignidade como massacra os nossos direitos e direitos que meus pais tinham quando investiram nessas terras desde 1940. Tive necessidade de citar esses fatos para que saibam todos como essa perseguição vem sendo elaborada há décadas.

Foram títulos feitos ilegalmente há muitos anos e terras vendidas por terceiros sem nossas autorizações. Advogados que se privilegiaram do fato de estarmos fora do país e trabalharam legalizando junto ao cartório e a Prefeitura legalizando escrituras falsas.

De alguma forma vejo no fato uma relação com esse crime, acredito ter sido vítima também de inveja. Talvez por eu excluir das minhas amizades pessoas que nem sabia que tinham os olhos postados na minha pessoa. Penso que por ser carioca e não ter nascido em Manacapuru, tinha uma gota de discriminação e perseguição pelo fato de ser carioca.

Uma forma de me anular seria me desmoralizando. Somente agora, estamos eu e os herdeiros tentando entender melhor e abrir outra vez o inventário dos meus pais, sendo que desta vez, recorrendo a outros meios, já que pelos meios legais em Manacapuru posso estar mais uma vez na mira de algumas pessoas maldosas. Deus queira que não.

Sendo a filha mais velha, eu tive na época que lidar com as responsabilidades de vendas e indenizações, algumas recebidas pela Prefeitura de Manacapuru. Devido estar sempre a frente dos negócios acompanhando meu pai, a minha visibilidade naquele lugar ficou muito clara. O Prefeito e alguns vereadores e pessoas que tratavam de negócios com meu pai se tornaram meus amigos.

Sempre fui uma mulher de personalidade forte, tenho muito do meu pai que como Policia Federal teve um currículo muito apreciado. Me orgulho sim, dele e da educação que recebi, foi um pai honesto e exigente com os filhos, ele nos criou para o bem.

Certa vez, papai me levou a uma delegacia no Rio de Janeiro e me mostrou as condições das detentas mulheres e disse: você pode escolher filha, entre cometer um crime ou ser uma mulher de bem. Claro que foi forte, mas foi necessário. No Rio de Janeiro em 1967, quase entro para Policia Federal, porém eu decidi me casar e sair do país. Deveria ter entrado, hoje me arrependo, pois, o meu senso de justiça é muito forte.

Sou uma pessoa tranquila e tomo meu tempo quando devo raciocinar e tomar uma atitude séria. A tendência das minhas atitudes é sempre baseada não só na justiça de Deus mais de igual maneira na dos homens. Sou do signo de Libra, que e reconhecido como o signo da balança mas, também e o signo que representa justiça. Diz muito o fato de ter sido educada por um homem Policial digno e respeitoso.

Em Manacapuru, uma jovem mulher de 27 anos de idade, inteligente, com outra mentalidade, com conhecimentos gerais em relações públicas era evidente que eu chamava a atenção de algumas pessoas. A minha simpatia e esse tipo de perfil de mulher em Manacapuru não era comum.

 

Como aconteceu o crime que eu denomino

“OS MONSTROS DO MIRITI”

 

Papai faleceu 5 de Marco de 1978 às 23:30 horas, no pronto Socorro Getúlio Vargas, em Manaus aos 69 anos, resultado do óbito: parada cardíaca, papai faleceu muito novo. O fato abalou minha mãe, eu, como também a minha irmã que tinha somente 17 anos de idade. eu estava com 27 anos. Eu fui a bengala delas no momento mais difícil das nossas vidas. Tive que aguentar a dor das duas e a minha.

Depois, tive que cuidar dos preparativos do sepultamento e não foi nada fácil. Meu papai era judeu, toda a família dele tinha sido sepultada no mausoléu no Rio de janeiro onde ele tinha o lugarzinho dele comprado pelos pais. Chamei um Rabino pedi ajuda, mamãe estava desorientada, já havia preparado tudo como se ele fosse da religião Católica, tive que mandar tirar o corpo do caixão e deixar o Rabino agir e logo depois de tanta pressão enterrar ele como um cidadão Judeu na ala do Cemitério dos Judeus de Manaus. Não estava pronta para tanta agonia e graças a Deus fiz o que faria qualquer filho que ama e respeita seus pais. Logo a luta continuou e tive que voltar a Manacapuru para continuar enfrentando os problemas das terras. Eu me fazia de forte, por dentro estava destruída. Minha família estava também pendurada por um fio no Rio de Janeiro, uma vez que a minha estadia em Manacapuru havia se alongado.

Algumas semanas após a morte de meu pai, mamãe voltou do Rio de Janeiro, ela vivia entre Manaus e Manacapuru tentando resolver algumas situações para poder viajar para os Estados Unidos. A casa de Manaus tinha que ser entregue. Na noite do sequestro minha mãe estava em Manaus, ela ficou o fim de semana lá.

Na esquina da rua onde morávamos havia um chapéu de palha chamado Mocambo, um local de festas. A porta do Mocambo era um arco aberto, logo havia um caminho de algumas boas passadas longas até onde ficavam as mesas. No centro um chapéu de palha onde as pessoas dançavam. igualmente muito escuro, mal se podia ver as sombras das pessoas na pista de dança. Era bastante escuro, atrás ficava um balcão onde atendia uma senhora e o esposo. Eles eram de idade avançada. Domingo abria às sete da noite e fechava uma da manhã.

Aconteceu num domingo, só havia uma única mesa pra servir, a nossa. Estávamos eu, minha irmã e alguma amigas tomando cerveja e ouvindo música. Precisávamos descansar e entedíamos que naquele interior não tinha biblioteca e nenhum lazer a não ser festas e o banho do Miriti. O lazer era jantar num restaurante de chapéu de palha e se reunir com algumas amizades. Os encontros nos faziam esquecer os problemas. Eram muitos os problemas que tínhamos que enfrentar e resolver no meio da semana.

Com o falecimento do meu pai, nossos dias pareciam eternos. Distantes dos irmãos e filhos, não era fácil estar ali conversando sobre abobrinhas. Algumas pessoas poderiam não entender como conseguíamos algumas semanas após o falecimento do meu pai se reunir com amigas e conversar.

Tanto minha irmã como eu estávamos muito fragilizadas. Nós sabíamos que minha mãe encontraria os filhos nos Estados Unidos completamente fraca, ela sofria de asma e  era a primeira vez que minha mãe se encontrava completamente só. Nossa preocupação era a saúde dela, como iria enfrentar uma viagem longa e sozinha.

Não nos interessava mostrar o que realmente sentíamos. Naquele momento as dores eram exclusivamente nossas. Mesmo porque, o olhar do povo de Manacapuru era um e de quem viveu fora do país e outro.

Não tínhamos com quem desabafar senão, conosco.

Em Manacapuru era comum as pessoas criticarem por prazer ofender, humilhar, manipular pessoas era como eles se divertiam se ocupando com a vida alheia. Entendíamos que fazia parte da maneira de vida daquelas pessoas, as vezes incomodava as fofocas constante que circulavam pela boca de algumas pessoas, coisas que escutávamos falando da sua própria família.

Não ouvíamos, nem dávamos atenção porque tínhamos outra forma de pensar e agir, mas eu apesar de não escutar, não me acostumava aquele estilo de vida.

 Não sei onde nem como a minha irmã conheceu a fulana, imagino que deve ter sido em alguma festa, pois haviam muitas em Manacapuru na época. Ela era uma mulher escandalosa, tinha um sorriso feio, ela tinha um estado de espírito inferior. A fulana sempre muito prestativa querendo ajudar lá em casa e mamãe tinha pena dela. Eu,não gostava da moça porque era louca, destrambelhada, e por diversas vezes falei pra minha mãe e irmã que não gostava dela. Sentia uma energia esquisita. Ela chegou a conhecer meu pai.

Bem, tinha acabado de conhecer o meu atual esposo há algumas semanas apenas. Nessa noite do sequestro, eu acredito que deveria ser antes de meia noite. Foi quando essa sujeita que estava na mesa conosco se levantou, ela saiu apressada em direção a porta. Quando voltou, a fulana disse daquele jeito dela esquisito - Sônia o Erinaldo está te chamando lá fora. Ela o conhecia porque ele vivia em Manacapuru. Foi tudo tão rápido e não estranhei porque o meu atual esposo de fato costumava vir me buscar quando terminava o trabalho. Meu esposo parece fisicamente com o meu avô, mamãe simpatizava com ele. Minha mãe sabia que meu casamento havia terminado e que eu estava sofrendo muito. Foi ela quem conheceu ele primeiro que eu. Ela foi a minha madrinha de casamento aqui nos Estados Unidos em New York em 1980.

Bem, quando levantei a fulana saiu correndo na minha frente, segui em passos lentos até a porta porque eu acreditei que ele queria me dizer a hora que viria me buscar, ou já estava ali para isso.

Tudo aconteceu muito rápido -quando cheguei na porta tinha um carro com a porta aberta, era um carro de quatro lugares não vi a cor nem a marca porque fui empurrada pra dentro. Havia um homem encostado no muro do lado direito da porta, eu só vi a sombra dele quando sai do Mocambo. O homem me segurou do braço e me empurrou no carro, entrei de frente e dei de cara com a fulana sentada. Os olhos da mulher eram de uma pessoa enlouquecida. Escutei o homem ordenar senta, e logo ele me empurrou com o corpo dele sentou do meu lado direito, e fechou a porta. Acho que perguntei o que isso... O que está havendo... Silêncio absoluto.

Foi tudo rápido, olhei o homem do meu lado direito de rabo de olho, fechei os olhos e escutei ele dizer arranca. Fechei os olhos e estava nervosa piscando vi a sombra da cabeça do chofer e do amigo dele que estava sentado na frente, o chofer era mais baixo, o outro tinha os cabelos cacheados, era mais alto. O do meu lado direito era alto, gordo e barrigudo. Fiquei apavorada. Sabia que eu estava numa situação de sequestro, não entendia a razão, pensei nas terras e em mil coisas. Rezei e fiquei nas mãos de Deus, achei que uma mulher e três homens não me davam chance de me livrar de forma alguma. O silêncio na estrada era aterrorizador, eles não diziam nada, corriam na estrada como loucos. Ela eu via de rabo de olho com um sorriso cínico na cara. Fechei os olhos e achei que eles iriam me matar, mil situações passaram pela minha cabeça, fiquei calada pensei na minha, mãe, irmãos e meus filhos. Lembro que minha mente era em Deus, rezei pedi a Deus coragem e perdão e nem sei porque pedia perdão. Chegando no local reconheci o Miriti, o rio estava lá do meu lado esquerdo. Esse lugar era a praia de Manacapuru eu conhecia, ficava lotada nos domingos.

Chegando lá entraram com o carro e estacionaram num lugar que na certa ninguém podia ver. A mulher saiu e o homem saiu e disse, sai, anda sem olhar para trás, fiz isso fechei os olhos e caminhei até onde ele disse para eu parar. Sabia que não podia correr ali estava o rio Miriti, eles me matariam e me jogariam ali, pensava nunca mais ninguém me encontraria, eu tinha mil coisas na cabeça. Mantive os olhos fechados e piscava muito. O que mais me dava medo era olhar a cara deles. Todos eles ficaram atrás de mim e mandavam eu andar havia uma mesa eles me colocaram em pé de costas para eles e com o corpo debruçado na mesa em posição de penetrar. Senti o primeiro monstro levantar o meu vestido e me violentou, desceu pelas minhas pernas algo nojento, senti as lágrimas, os soluços e ânsia de vômito. O monstro disse agora você, eu estava de costas com as mãos esticadas e os seios encostados na mesa fria e cabeça baixa olhando a madeira da mesa, as lágrimas rolavam no meu rosto, não tinha como parar de soluçar, eu sentia que já estava morta, era muita humilhação, não era um homem, eram três. Relaxei meu corpo porque eles poderiam me bater. Quando terminaram escutei um deles dizer chega deixa ela, deixa ela! Vamos embora. Em nenhum momento eu gritei ou me defendi, sabia que não havia ninguém no local e da pista ninguém podia ver lá embaixo naquela escuridão.

Me peguei nas mãos de Deus. Na hora eu soltei meu corpo, era a única atitude que eu consegui naquele momento ter para poder tentar me defender. Depois que me violentaram entraram no carro, a mulher sorria alto, eu não esqueço esse sorriso. Me abandonaram ali e andei algumas horas até chegar em casa. Quando abri a porta de casa a minha irmã dormia numa rede na sala, ela acordou e perguntou onde você estava, ela pensava que eu estava com o meu namorado. Eu disse que estava por aí,quero ficar quieta vai dormir. Ela também estava cansada. Nunca contei a ela nem a minha mãe, nem a qualquer pessoa da cidade nem ao meu namorado e atual marido, porque o nojo, a vergonha a humilhação que eu passei era revoltante.

A minha mãe estava fragilizada e minha família não podia ser exposta. Minha irmã ia casar em duas semanas, e meus filhos e esposo não aguentariam o tamanho da vergonha, meu filho maior tinha 12 anos. Eu não falei para proteger a todos nós. Acabei me divorciando e casando com o com meu atual esposo nos Estados Unidos em 1980. Logo após meu casamento o meu esposo da época faleceu, o pai dos meus três filhos. Esse estupro destruiu a minha vida totalmente. Faz apenas alguns meses que contei ao meu marido, contei essa semana as minhas filhas e irmãs porque eu queria deixá-las preparadas por causa da denúncia. Agora aos 50 anos e 49 anos minhas filhas apesar de nunca terem sido mães, ficaram chocadas, elas sabem da importância do útero para as mulheres. Muitas mulheres se suicidam depois de sofrer um estupro, outras nunca mais se recuperam. Vou viver com essa mancha a vida inteira tendo que ir a psicólogos e tentando manter o foco na vida porque a vida continua. O meu destino tem propósito sim, meu futuro não pode morrer num passado sujo que me impuseram.

Vejo que há uma luz no final do túnel, essa luz é a PEC 64/2016 que tramita na Câmara dos Deputados, PEC 353/2017. Já me comuniquei com eles e me ofereci para o meu caso servir de exemplo. Essa lei deve ser aprovada sim pela Câmara.

Os estupradores são psicopatas. Uma criança estuprada pode se calar por mais de 3 décadas e muitas vezes os pais também se calam por vergonha, medo ou ameaça. Eles só têm coragem de falar em décadas futuras, como eu tentando agora impossibilitada de fazer a denúncia. Esse crime não pode ter tempo de validade e tem que ser inafiançável. Se essa lei é votada na Câmara, é uma vitória minha também, porque o útero da mulher e o coração dela não podem ser invadidos sem autorização, e onde a mulher acalenta o filho é onde a mulher constrói o seu sonho que é a família. O estuprador não posso defender, nem pretendo. Para uma jovem indefesa ou uma criança deve haver esperança, somos mães e teremos netos e bisnetos.

Como descobri quem foi o estuprador com nome e tudo mais. Fui de férias a Manacapuru em 2013, aluguei um carro e estava na linha da balsa esperando a minha vez para estacionar. Fui sozinha, meu marido me encontraria na semana seguinte em Manacapuru.

Quando íamos a Manacapuru ficávamos no Hotel Jaranda. O dono do Hotel Jaranda, foi a primeira pessoa que conheci em Manacapuru, apresentado por meu pai. Eles tinham negócios relacionados aos problemas com as terras do papai. Homem de minha inteira confiança. Vi um homem estacionado na minha frente na linha de espera para colocar o carro dentro da balsa. Meu carro entraria depois do dele. O homem me olhava pelo retrovisor de forma insistente. Pensei reconhecer o sujeito, acreditei ser o estuprador porque já haviam me falado dele inclusive dado o nome, afirmaram que ele tinha um grupo que estupravam em Manacapuru. Corri até o carro e surtei chamei o homem de miserável, estuprador e outros nomes que no calor da revolta saíram. Gritei canalha você e o..., é isso seu estuprador? Eu queria fazer um escândalo e chamar a Polícia, fazer a denúncia ali, isso aconteceu em 2013, eu não sabia nada sobre leis de estupro. Foi a primeira vez que surtei porque já estava sufocada com o que havia acontecido. Só que o homem gritou ─ Não sou eu não, não fui eu, foi meu irmão. Olhei firme pra ele, e fiquei pasmada, eles se pareciam muito, saí nervosa, mas satisfeita. Havia descoberto a verdade.

Sem querer obtive a resposta que sempre procurei, acusei o irmão dele e ele denunciou o próprio irmão estuprador, o ..., O Mostro do Miriti. Sei que o irmão dele pode negar, porque é duro denunciar um irmão. Estupro é um crime hediondo e ninguém quer levar essa fama. Se você defende ou esconde o crime de um estuprador, você pode ser processado. Então, não havia mais dúvidas na minha cabeça, pelo menos eu sabia que tinha descoberto um deles, tinha a fulana, os outros eram do grupo deles. Soube depois que um amigo íntimo deles que se chamava ... talvez fosse o outro, uma vez que faziam tudo juntos. O outro foi o ... que reconheci em 2013 quando entrei na loja da dona Saba em Manacapuru, fomos comprar umas redes, foi quando dei de cara com o maléfico sujeito, ele foi quem me jogou no carro. Fiquei pálida comprei a rede, estava acompanhada do meu marido e tentei manter a calma, fazia muito calor. Reconheci-o pelo tamanho do corpo, pela barriga os cabelos e a altura do homem, sei que esse foi que me empurrou no carro e talvez tenha sido ele o que disse: deixa ela vamos, vamos embora. Também reconheci a voz. Estava em choque e levei tempo para juntar as peças sozinha. Perguntei ao meu marido quem é esse rapaz? É, o ... respondeu. Fiquei calada e saímos do local.

Naquela noite no hotel, foi a primeira vez que perguntei ao meu esposo sobre o assunto, eu disse que eu havia escutado que em Manacapuru existia um grupo de maus elementos que estupravam mocas vindas de fora.

Ele confirmou, perguntei você sabe quem são eles. Ele ficou me olhando perguntou porquê? Respondi - curiosidade. Ele falou que escutou comentários. Citei o nome do sujeito ... ele me olhou. Que nome horrível!

Faz pouco tempo que contei para o meu esposo, uns seis meses e contei da minha intenção, inclusive pedi desculpas. Expliquei que foi para preservar as nossas idas a Manacapuru por causa das terras, se eu falasse ele poderia agir de forma violenta e isso prejudicaria a vida dele e a nossa. Meu esposo é um homem como meu pai foi para mim, fiel, companheiro, amoroso, carinhoso. Me orgulho deles. A semelhança encontro na paixão que exala dos dois por mim. Estou aprendendo a lutar junto a um psicólogo contra esses Monstros do Miriti. Já iniciei um livro sobre, e um documentário também, há tempo... preciso ver o desenrolar dos resultados.

Meu advogado tem nomes e endereços de todos os suspeitos. A mulher foi vista drogada semana passada, ela é quem pode narrar tudo. Fiz uma chamada para ela por WhatsApp, encontrei o número dela no Facebook. Passei para o meu advogado o número.

─ Alo, fulana é a Sônia, a filha da dona Marina, você se lembra de mim?

─ Hum!... Fulana eu queria saber se você se lembra do dia que você e três homens me sequestraram. Quem eram os homens?

─ Não lembro nada disso não. Parecia que o discurso já estava preparado, isso era o que eu queria ouvir.

─ Mas, porque só agora você decidiu falar?

─ Protegi minha família, papai havia falecido e minha irma ia casar. E, calei.

─ Vou morrer dizendo que não sei nada disso. Mas, amanhã mesmo vou falar com eles.

─ Agora tenho teu número. E, desligou...

Eu não disse quem eram eles! Porque vai falar com eles se eu não disse nenhum nome. Ela pode ter sido ameaçada por eles para ajudar no sequestro, pode estar sendo ameaçada ou pressionada por eles agora. A mulher é a única que pode falar com facilidade, é analfabeta, desajustada e medrosa, me contaram que é dependente química, e que vive com uma mulher que bate nela constantemente. Não sei se é verdade, falam muito por aí... A reação dela foi de medo. Meu receio é que morra de overdose, atropelada ou que mandem matar mesmo. Ela é louca, fala fácil. É muito dolorido recordar, porque tenho ainda alguns bloqueios, como por exemplo a hora que cheguei em casa naquele dia, andei pelo menos muitos quilômetros do Meriti até em casa.

O medo se apoderou do meu corpo, ando com meu esposo e se um homem me olha fico enojada. Fui estudar psicologia para entender como funciona a cabeça dos psicopatas e o que na mente de quem sofre crime de estupro.

Contei tudo a meu esposo e juntos estamos tentando enfrentar esse monstro que é a dor de ser violentada. No momento, toda a minha família está revoltada porque um estupro na família afeta a todas as mulheres da família. Mas, graças a essas mulheres guerreiras da minha família me sinto acolhida e apoiada.

Tenho um sobrinho americano que é ator, reside no Rio de Janeiro. Ele se prontificou a passar o abaixo assinado nos meios artísticos. Preparei com ajuda do meu advogado, em breve estará correndo nas plataformas digitais a favor da aprovação na Câmara dos Deputados a lei PEC 353/2017.

Acredito que o povo brasileiro e as classes artísticas devem apoiar a troca dessa lei e para o bem das famílias brasileiras.

OS MONSTROS DO MIRITI podem escapar da justiça dos homens por falta de uma lei justa. Mais a justiça de Deus chega. O silêncio após um estupro é mortal.

É impossível recordar tudo com riqueza de detalhes o que passei, a mente humana as vezes esconde dados para defender o espírito e alma do sofrimento.

Levo anos arrastando a humilhação e são muitas noites acompanhadas de lágrimas. Só eles conhecem os detalhes de tudo que aconteceu.

Quero ouvi-los! Eu preciso ouvi-los!

 

 

 

 

 

Clique na figura
envie sua mensagem


 


Voltar


| Home | Menu | Fale  Comigo |
| Adicionar aos seus Favoritos |


Desde 12.09.2010,
você é o visitante nº


 

Direitos autorais registrados®
Direitos autorais  protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.1998

Site desenvolvido por WebÁguia - www.webaguia.com.br